terça-feira, 13 de setembro de 2016

Carta para a criança que ainda existe em mim



Querida Julia de 6 anos,

Você é uma criança incrível. De riso fácil, gargalhada engraçada, sempre descabelada...

Pequena, você sempre vai ser pequena! A menor entre todos os seus amigos - e graças a Deus você tem MUITOS e todos de ótima qualidade.
Hoje você é tímida, não entra facilmente numa roda de crianças, desconfia, observa antes de cair da brincadeira. Tem vergonha que seus pais a vejam dançando (embora dance muito bem). Um dia, meu amor, você vai dançar sem a menor vergonha de nada nem ninguém. E todo mundo vai amar te ver dançando sem vergonha e sem timidez alguma. Dança, pequena! Dança que quando você dança, você sorri.

Hoje você tenta insistentemente se provar pro seu irmão 7 anos mais velho porque o admira mais que tudo.
Fica tranquila, criança. Daqui uns anos e, após alguns desentendimentos, vocês serão amigos. Ele vai te ouvir acima de tudo e de todos. Você vai virar um pouco irmã mais velha um dia, menina. E vai querer proteger esse irmão mais velho de tudo que há de ruim nesse mundão.

Baixinha, não encana com o cabelo armando enquanto brinca. Não encana se não for a criança mais impecável do mundo. Não encana com a barriguinha sempre saliente. Não liga se permanecer criança mais tempo do que as suas amiguinhas. Você brilha, menina, exatamente do jeitinho que você é hoje. Quando for mais velha, vai ser publicitária assim como seu pai e, por incrível que pareça, vai se espalhar por qualquer roda.

Acredite, você vai ter uma fase bem chata de espinhas na adolecência e sempre vai encanar com seu nariz. Mas fica tranquila, criança. La pelos seus 25 anos, você vai se aceitar por completo e vai se achar linda, exatamente do jeitinho que você é. Fica tranquila, a pele vai ficar ótima, o cabelo não vai mais ser um bicho de sete cabeças, a sobrancelha vai ser seu xodó e você vai nutrir um amor todo especial por batons escuros.
Acredite, tudo sempre vai estar bem até você entrar na TPM. Esta, sempre vai ser foda - desculpe o palavrão, mas você vai falar demais, acostume-se!

Pelo menos até seus 25, você nunca vai ter tido um corpo escultural. Você vai ser NORMAL e FELIZ, e leia isso com otimismo. Sua personalidade sempre vai falar mais alto que sua barriguinha - ainda saliente. Aceite, meu bem.

Minha querida, um dia você vai compreender que seus pais também erram. Erram muito! São humanos. Também vão envelhecer e, um dia, a responsabilidade de ter uma opinião de peso vai te atingir como uma onda. Eles precisam de você na mesma proporção que você precisará deles. Seja forte, seja amável e paciente com a velhice que virá acompanhada de teimosia. Mas o amor, minha querida, o amor de vocês é incontestável.

Menina, como você ama cachorros! Especialmente salsichinhas (que você vive pedindo pro seu pai).
Você vai ter uma cachorrinha que vai viver sua infância, adolecência e fase adulta ao seu lado. Vai chorar a perda dela, 15 anos depois, como choraria a perda de uma irmã. Sua família vai sofrer a perda dela junto com você. Você vai lembrar dela com amor no coração e, um dia, outra peludinha vai entrar na sua vida. Só que dessa vez, com mais maturidade, você será acometida por um amor totalmente maternal que nem imaginava ser possível.

Sobre o amor, pequena, não se afobe.
Você vai viver amores pequenos, puros, amores grandes e doídos... A cada amor você vai se doar por inteiro, respeitando seu momento, sua maturidade de cada fase da vida.
Menina namoradeira! Você sempre vai preferir ter alguem pra compartilhar momentos felizes a ser solteira. Não se sinta errada por isso, meu amor. Você tem muito amor dentro de si para compartilhar. Isso não é defeito algum.

Você vai viajar, vai rir, vai ter um lar amoroso, vai trabalhar duro!
Minha pequena, nem só de alegrias viverá, mas tenha certeza de que você é MUITO mais forte do que imagina!
Siga sempre com a Padroeira no coração, fé nas pessoas e gentileza na vida! Mas continue esperta, não seja tola e continue sendo firme quando preciso for.
Siga sempre acreditando que existem mais pessoas boas que más no mundo!
Acima de tudo, siga sempre com este sorriso gostoso no rosto!

Com amor,
Julia aos 25.

terça-feira, 12 de julho de 2016

O porta CD



Eu perdi o porta CD dos meus pais.
Era verão, estávamos em Ilhabela. Meus pais, a minha amiga Flávia e eu.
Decidimos jantar no centrinho da cidade, popularmente chamado de Vila.
Entramos no carro, conversamos durante todo o trajeto. Havia uma pequena fila no Cheiro Verde, restaurante que costumávamos frequentar. Meu pai disse: "meninas, desçam e entrem na fila enquanto estacionamos o carro". Obedecemos apressadas.
Eu vi, juro que vi o porta CD embaixo do banco da minha mãe. Na hora de descer, alguma de nós deve ter levado o porta CD para fora do carro com os pés.
A partir daí, eu não tinha noção do remorso que sentiria pelo resto da minha vida.
Aquele porta CD fez parte de todas as minhas lembranças. Ali, haviam discos colecionados durante anos, discos estes que embalaram muitas viagens na estrada.
Não importa a ocasião ou o ambiente, se eu ouvir Johnny Rivers, Eric Clapton, Elvis Presley, Tim Maia, Tribalistas, entre vários outros artistas, imediatamente sou carregada à qualquer lembrança na estrada. Ouvindo estes discos nós conversamos, nós rimos, nós brigamos, ficamos em silêncio, cantamos.

Eu perdi o porta CD dos meus pais.
Depois daquele dia, eu ouvi por uma semana: "não acredito que perdemos todos os nossos CD's".
Esta frase não vinha carregada com um ar de nervosismo. Era pior, vinha carregada com desapontamento, tristeza. Parei de ouvir esta frase terrível com tanta frequência, mas até hoje eles ainda mencionam o episódio. A carga de desapontamento ainda é a mesma de 10 anos atrás.
Acho que aquelas músicas, para os meus pais, também eram associadas a lembranças gostosas - hoje inalcançáveis - de quando ainda colocavam meu irmão e eu no banco de trás e nos levavam "na bagagem" para onde fossem.

Caramba, eu perdi o porta CD dos meus pais. E ele era enorme mesmo.
Pouco depois disso, tenho poucas lembranças de raras outras viagens que fizemos. Depois, paramos completamente de viajar juntos. Deveria haver uma espécie de mágica naquele porta CD.
Eu o perdi. Mas por favor, vamos reencontrar outras canções? Ainda está em tempo, pais amados.
Eu perdi o porta CD dos meus pais.
Eu perdi as canções que nos embalaram.
Mas eu juro, eu tenho todas no Spotify. E no meu coração também.